A vontade de comer está associada à fome de “alimentar a alma”, sintoma conhecido de quem busca na comida a possibilidade de preencher alguma lacuna da vida. Pode parecer incrível, mas quem briga com o ponteiro da balança geralmente busca na comida o que está faltando em sua vida. Muitas pessoas têm muitos problemas que se refletem na balança, indicando um peso muito maior na cabeça e seu estado psíquico de como vê o alimento, que de fato o peso pelo acúmulo de gordura! E olha que mais da metade do mundo, atualmente, não tem pouco estoque de gordura corporal, engrossando as fileiras da obesidade.
Aí, o que foi criado para manter a vida e com requinte de prazer, passa a promover desgaste da mesma vida, potencializado pelo mesmo prazer, mas de maneira deturpada, momentânea, descontrolada, cheia de culpa, ou irresponsabilidade. A comida passa a virar personagem, que pode ser mocinho ou bandido, dependendo da temporada, e o ato de comer vira “desfile de passarela”, com grand duele entre “estilistas” para ver quem vai ditar a moda na estação do corpo perfeito.
E nesta “alta costura” entre o que se come e o que, definitivamente, torna-se objeto de repúdio, a criatividade é ilimitada e linhas, agulhas e tesouras criam peças, aplicam bordados, segmentam e inventam tendências, ou só para não perdermos o assunto, criam comidas, aplicam nutrientes, segmentam refeições e inventam dietas e regimes ignorando que a comida de verdade está na terra, “tirada lá do pé”, ao invés das caixas, latas e drive-thru. Essa ausência de naturalidade neste processo de quem come e o objeto de consumo cria um estado psicológico cheio de emaranhados incompreensíveis a cada nova dieta necessária, que terminam num relacionamento bem inconstante. E era só uma comida! Nada mais natural e instintivo! Depois de chorar por puxar o ar, o recém-nascido mama! Ou… come! Põe comida pra dentro! Por que tanta confusão poucos anos depois? Por que não encarar comida como o que ela é: comida?
Comer, o quê, quanto e quando? Há décadas os cientistas conhecem o segredo para fazer com que quase qualquer animal viva muito mais do que o normal. Podem fazer um camundongo dobrar seus anos de vida e um macaco viver três vezes mais do que o normal. O equivalente nas pessoas seria viver nove anos a mais e, além disso, com muito menos risco de sofrer doenças associadas ao envelhecimento: câncer, Alzheimer e diabetes. O problema é que o preço a pagar pode ser alto demais para muitos: comer menos! Reduzir especificamente cerca de 30% das calorias diárias.
Um corpo, quando é submetido a essa restrição calórica, apresenta resultados que indicam muitos fatores fundamentais, como quais genes e moléculas são responsáveis pelo envelhecimento. E quanto investimento não existe para que algo praticamente impossível aconteça: parar o tempo, deter o envelhecimento. Mudanças acontecem com a idade e a dieta, tanto dentro de cada célula quanto na comunicação entre elas. Os pesquisadores detectaram que os genes e processos moleculares mais afetados pela idade têm a ver com o sistema imunológico ―que se desregula nos camundongos que comem à vontade―, a inflamação e o metabolismo. A quantidade de células imunes em quase todos os tecidos aumentou com a idade, mas isso não ocorreu nos camundongos com calorias reduzidas, que tinham níveis comparáveis aos de camundongos jovens de cinco meses. Os camundongos em restrição calórica não mostravam mais da metade de todos os marcadores de envelhecimento identificados em seus companheiros com uma dieta normal.
Este estudo mostra que o envelhecimento é um processo reversível! Uma descoberta interessante é que as células da gordura e as da aorta são as que mais mudam com o envelhecimento e se recuperam com a restrição calórica, confirmando a importância desses tecidos no envelhecimento, acima de outros mais clássicos como o cérebro ou a medula óssea. O acúmulo de evidências nesse campo é tal que existem cientistas muito sérios que admitem abertamente praticar algum tipo de restrição calórica ou jejuns intermitentes, pois também foi demonstrado que ativam processos de reciclagem celular benéficos, inclusive em casos de pessoas com câncer que recebem quimioterapia.
Em humanos, 218 voluntários que tinham peso considerado saudável e que, durante dois anos, aceitaram cortar 25% do que consumiam ao dia, tiveram uma redução de 10% do peso corporal. Diminuir a quantidade não é passar fome, mas terminar a refeição quando satisfeito.
Infelizmente esse mecanismo também é comprometido em casos de obesidade extrema. O hormônio que controla a plenitude gástrica, a leptina, não é bem “aceito” no centro de saciedade do corpo, e pessoas com essa chamada “resistência à leptina” nunca se sentem satisfeitas. Comem e comem sem esse “basta” do corpo.
Comer com suficiência é importante, também, para que a quantidade de nutrientes, como vitaminas e minerais, estejam em adequação. Não precisa suplementar, a menos que seja vista a carência em exames laboratoriais ou sinais físico-clínicos. Importante a lembrança de realizar periodicamente estes e outros exames, já que à partir da quinta década de vida as absorções no trato digestório diminuem, necessitando reposição com o passar dos anos.
Prazer ao comer, sim! Irresponsabilidade, bem-estar tem preço, e é bem caro! Então, atente-se à:
- Quantidade – Quanto é suficiente para suprir as necessidades? Leve e considere suas atividades e gastos metabólicos. O volume é um bom sinalizador, dependendo do próximo item – a qualidade.
- Qualidade – O que se come faz toda a diferença. Ninguém pode fazer uma boa receita com matérias-primas estragadas. Material “de primeira” constrói uma saúde igualmente “de primeira”.
- Harmonia – Como montar seu cardápio? A proporção entre os nutrientes é essencial para suprir as necessidades nutricionais. Entre 50% e 60% de carboidratos; entre 10% e 20% de proteínas; e no máximo 30% de gordura.
- Adequação – Por que e para que comer? Gostos, hábitos, ciclos da vida, atividades que realiza são alguns dos direcionadores para se escolher um alimento, uma dieta.